História do American Pit Bull Terrier
A história do desenvolvimento do Pit Bull na máquina de combate
que é hoje tem início há cerca de dois séculos.
Era o período do apogeu do Bulldog e a atividade predominante não
era a luta de cães, mas sim o bull baiting.
Tomando o termo cães de combate num sentido mais amplo – cães
de guerra, de caça pesada e perigosa e lutas contra os mais diversos
oponentes – vamos recuar no tempo e tentar reconstituir a história
deste grupo.
Esta tentativa não é uma empreitada simples. A documentação
é esparsa e muitas vezes dispomos de apenas fragmentos de um mural
para fundamentar uma linha de raciocínio.
Este breve histórico está baseado na obra de dois renomados
estudiosos do tema: os Drs. Carl Semencic e Dieter Fleig. Os autores Diane
Jessup e Richard Stratton foram também exaustivamente consultados.
2000 AC: Os babilônios já usavam cães gigantescos em
seus exércitos.
1600: os cães utilizados para caça pesada, como o aurochs e
o stag, eram descendentes dos grandes molossos.
1800: O bear baiting, a luta entre um urso e um Bulldog, deixou de ser prerrogativa
da nobreza e tornou-se uma diversão popular. Pequenas fortunas surgiam
em função das apostas e com a manutenção dos ursos.
O Bulldog já era praticamente idêntico ao moderno Pit Bull.
1830: O bull baiting era o entretenimento favorito das massas. O Bulldog
é claramente um Pit Bull moderno, de compleição mais
robusta.
1850: Com a proibição do bull baiting, as lutas de cães
se tornam populares. O bull and terrier, menor e mais ágil, substitui
o Bulldog: está formado o Pit Bull.
Onde tudo começou: Os Molossos
Desde que a criação de cães se tornou sistemática,
a transformação dos cães em especialistas numa determinada
tarefa sempre foi uma meta a ser atingida. A seleção de cães
até meados do século passado sempre teve como propósito
o emprego do cão: pastores, guardas, caçadores dos mais diversos
tipos, farejadores e o nosso grupo alvo: os cães de combate.
Sua origem é incerta, composta de fragmentos que dão margem
a muita imaginação na montagem deste quebra-cabeças.
Alguns teóricos apontam esta origem para o Tibete e Nepal, como descendentes
diretos do lobo preto tibetano. Esta teoria é baseada em literatura
chinesa de 1121 A.C., bem como em cerâmicas, murais etc e prega que
esses cães são a base de todos os molossos, expandindo-se gradualmente
para outras regiões.
Outros pregam que regiões menos desenvolvidas culturalmente possam
também ter desenvolvido raças similares, porém não
houve
registro. Migrações, rotas comerciais, campanhas militares
etc teriam então difundido tais cães. Tal teoria é suportada
por escavações que encontraram crânios de lobos de proporções
similares aos dos atuais molossos por todo o Velho Mundo.
Cães de Guerra
Seja qual for sua origem, registros de sua atuação nos campos
de batalha não faltam:
- Hamurabi, rei da Babilônia, já empregava cães gigantescos
com seus guerreiros em 2100 A.C.
- Os Lídios, tribo asiática, utilizaram um batalhão
de cães em suas guerras contra os Kimérios (628 – 571
A.C.)
- Os persas do Rei Kambyses também os utilizaram contra os egípcios
em 525 A.C.
- Na batalha de Maratona, um cão de guerra ateniense foi imortalizado
como herói em um mural.
A partir de cerca do ano 100 D.C., os romanos passaram a adotar uma companhia
de cães por legião. Anos antes, durante a invasão da
Inglaterra, os mastiffs ingleses se mostraram muito superiores aos cães
romanos, sendo trazidos para Roma e utilizados em lutas no Coliseu.
Em tempos mais recentes, os espanhóis os utilizaram no México
para dizimar os povos locais; o Conde de Essex, no reinado de Elizabeth I,
também lançou mão deles para sufocar, de forma sangrenta,
um levante irlandês; Napoleão determinou que fossem utilizados
na batalha de Aboukir.
Nas guerras deste século, os cães também foram largamente
utilizados, porém não mais diretamente no combate e sim como
mensageiros, guardas, detetores de minas etc. O emprego dos grandes molossos
tinha acabado.
Encerrou-se, então, uma era em que a coragem e a devoção
do cão a seu master foi testada como nunca. E foi comprovada na mais
cruel das situações, onde coragem e bravura são requisitos
para a sobrevivência:
OS CAMPOS DE BATALHA
A caça de grandes e perigosos animais
Esta modalidade de caça concentrava-se basicamente em cinco animais:
aurochs, stag, bisão, javali e urso. Teve sua origem na Idade Média
e durou até fins do século passado.
Os três primeiros eram espécies de gado selvagem. Alguns chegavam
a atingir 1,80m na cernelha e pesar 700kg, sendo animais incrivelmente ágeis
para o seu tamanho. Os javalis chegavam a mais de 1m de altura e possuíam
presas poderosas. Os ursos atingiam 1,25m e os maiores exemplares chegavam
a 350kg.
A caça desses amimais sempre foi um desafio para o homem. Tais caçadas
eram tão prestigiadas que eram, por lei, reservadas a reis, nobreza
e grandes proprietários de terras. Como muitos cães perdiam
a vida nessas caçadas, camponeses e servos eram obrigados a criar e
ceder esses cães para a nobreza.
Fartamente ilustradas, as pinturas de caçadas retratam cães
bastante similares aos atuais mastiffs e greyhounds. Porém, gravuras
de meados do século passado retratando caçadas de javalis na
América mostram claramente o emprego de Pit Bulls de maior estrutura.
Relatos de caçadas de ursos, búfalos e elefantes utilizando
bull-and-terriers de 20kg podem ser encontrados no livro de George P. Sanderson
Thirteen Years Among the Wild Beasts of India, de 1870.
Este tipo de caçadas, diferentemente do que ocorre com o que imaginamos
como caçadas com cães (com pointers, retrievers, spaniels),
exige animais com determinação, coragem e tolerância a
dor excepcionais, características só encontradas nos cães
de combate.
Os cães de lutas contra animais selvagens
Além do bullbaiting, que era uma atividade relativamente recente,
os tenazes mastins sempre foram utilizados em combates contra os mais diversos
oponentes. Os mais comuns foram leões e ursos, mas texugos e até
macacos foram utilizados neste insólito tipo de rinhas.
Registros desses tipos de combate são quase tão antigos quanto
seu emprego em guerras. Na verdade, parece intimamente ligado às guerras.
Na mitologia grega, vemos no escudo de Aquiles a representação
da vitória de seu cão sobre dois leões. O rei persa Kambyses,
o mesmo que já utilizava cães em seu exército e reinou
de 529 a 522 A.C., possuía um cão que iniciou um combate contra
dois leões adultos. Alexandre, O Grande, rei da Macedônia de
356 a 323 A.C., foi apresentado na Índia a cães que combatiam
com sucesso contra leões e mantinham a presa enquanto eram mutilados.
A tenacidade dos cães era tal que o rabo, as patas e finalmente a cabeça
eram sucessivamente decepados a espada sem que o cão largasse o leão.
Estes são os principais relatos da antigüidade do eterno sonho
de possuir um cão invencível e leal, capaz mesmo de derrotar
a maior das bestas – o leão. Obviamente, fábulas e exageros
foram incorporados a muitos relatos.
Luta contra leões
Passando para a Inglaterra medieval, o centro europeu de lutas de animais
da época, encontramos as lutas como um dos principais entretenimentos
da corte, intimamente ligado às caçadas. Aqui, a principal presa
era o urso, sendo o primeiro registro histórico baseado em documentos
do bear baiting datado do ano de 1050. Leões também eram ocasionalmente
utilizados, pois eram um presente muito apreciado pelas cortes européias.
Há um relato de que o Rei James I patrocinou uma luta entre um leão
e três mastiffs no final do século XVI, dos quais um sobreviveu.
Tanto a Rainha Elizabeth quanto seu sucessor James I eram grandes adeptos
dos blood sports. A rainha criava seus próprios mastins e o segundo
instituiu o cargo de Master of the Game Beares, Bulles and Dogges. Eram encargos
do Master todas as lutas de animais da corte, bem como a aquisição,
criação e reprodução dos animais, recebendo um
provento anual de 450 libras, uma verdadeira fortuna para a época.
A pedido do rei, vinte fêmeas de mastiff eram mantidas na Torre de Londres
como base da criação real de bear dogs.
O bear baiting logo passou a ter regras escritas e um grande número
de arenas surgiu em Londres. A mais antiga de todas foi, provavelmente, o
Old Bear Garden, cuja primeira referência é de 1574. Era situado
bem no centro de Londres e ainda existe hoje como Bear Garden Museum.
Bear baiting
Após a subida ao poder de Oliver Cromwell (1599 – 1658), os
Puritanos baniram as brigas de animais. Mais tarde, após a Restauração,
os combates ressurgiram com maior popularidade ainda, encontrando mais e mais
adeptos, principalmente entre as massas.
A popularidade dessas lutas só pode ser entendida como fruto da paixão
dos ingleses por apostas e jogos de azar. Os espectadores apostavam se um
determinado cão conseguiria pegar o urso pelo pescoço, quanto
tempo manteria a presa etc. Existiam planilhas de apostas, onde eram contabilizadas
tanto as performances anteriores do urso quanto as do cão. Os ursos
eram criados profissionalmente no Bear Garden e os donos dos cães pagavam
para lançar seus cães contra eles. Somadas aos ingressos, eram
uma considerável fonte de renda, que poderiam gerar pequenas fortunas.
Ao que tudo indica, estes tipos de lutas praticamente desapareceram por volta
de 1825, quando as lutas contra touros eram a atração principal.
O bullbaiting
Bullbaiting era um "esporte" que consistia em atiçar os
Bulldogs contra um touro amarrado pelo pescoço para que estes pudessem
derrubá-lo mordendo-o pelo nariz.
Bull baiting
Evidências da popularidade do bullbaiting séculos atrás
ainda podem ser vistas em várias cidades da Inglaterra. Em certas cidades,
como Birmingham e Dorchester, os nomes de algumas ruas se referem à
proximidade da arena. Em outras cidades, arenas de touros estão preservadas.
Esta atividade, embora nos pareça repulsiva, era outrora bastante
apreciada. Senão, vejamos:
- O primeiro registro de bullbaiting é de 1209. O Lord de Stamford,
fascinado pela cena de um cão subjugando um touro no pátio de
seu castelo, determinou que, a partir de então, seis semanas antes
do dia de natal, um touro deveria servir de presa para os cães para
que o "esporte" continuasse para todo o sempre.
- Em 25 de maio de 1559, embaixadores franceses foram recebidos pela Rainha
Elizabeth com um jantar seguido de lutas de cães com touros e ursos.
Gostaram tanto que repetiram a dose no dia seguinte.
- Cerca de 25 anos depois, a mesma Rainha Elizabeth recebeu o embaixador
dinamarquês com cerimonial idêntico.
- O Rei James I continuou a tradição da Rainha Elizabeth, recebendo
a corte espanhola no início do século XVII com uma programação
especial de baiting que incluía touros, cavalos e ursos. O encerramento
foi com um urso branco lançado ao Tâmisa, para que os cães
o atacassem nadando.
- O Rei Charles I, filho do Rei James I, também foi um ávido
adepto dos blood sports. No reinado da Rainha Ana (1665-1714), tais espetáculos
continuaram a ganhar popularidade.
O bullbaiting era uma atividade tão entranhada no dia a dia que alguns
distritos possuíam leis proibindo a venda de carne de boi que não
houvesse passado pelo baiting. Acreditava-se que assim a carne ficava mais
macia e nutritiva!
À vista das touradas, que ainda hoje mobilizam multidões, a
prática de deixar um cão derrubar um touro pelo nariz pode não
parecer tão cruel assim. Só que o "esporte" não
consistia apenas em deixar um cão derrubar o touro antes deste ser
abatido. Havia requintes de crueldade como os descritos a seguir:
- Vários cães eram utilizados, o que torturava o touro à
exaustão.
- Quando o touro caía de cansado, eram acendidas tochas em baixo dele
para que ficasse de novo em pé.
- Touros mais lentos ou cansados tinham seus rabos torcidos até que
se quebrasse.
- Outro artifício para "tornar o touro mais ágil"
era espetá-lo com lanças.
- Há um relato de que, em 1801, um touro teve seus cascos decepados.
O evento foi documentado por um historiador, mas não se sabe quantas
vezes essa atrocidade ocorreu ou mesmo se era comum.
- Vários cães também eram perdidos, atingidos pelos
chifres do touro ou pisoteados. Cães feridos, muitas vezes com os órgãos
à mostra, eram incentivados a continuar atacando, sendo invariavelmente
pisoteados.
- A história mais aterradora foi a de um açougueiro, que levou
uma fêmea já velha com a ninhada para o evento. Quando a cadela
dominou o touro, o açougueiro decepou suas patas com um cutelo sem
que ela largasse o touro. Os filhotes foram imediatamente vendidos por uma
soma considerável.
O surgimento do Bulldog
Historicamente, o termo Bulldog possui dois significados. O primeiro diz
respeito à aparência de um determinado cão, desenvolvido
na Inglaterra na segunda metade do século XIX. O cão hoje conhecido
como Bulldog inglês é, na realidade, uma distorção
criada a partir de 1860, baseados no que um grupo de pessoas "achava"
que era a conformação ideal de um bullbaiter. Nenhuma pintura
que represente o bullbaiting mostra um animal com as deformações
do moderno Bulldog, mas sim cães bastante semelhantes ao Pit Bull.
O segundo significado, muito mais antigo, é um termo funcional: qualquer
cão capaz de ser efetivamente utilizado como bullbaiter. Esta é
a definição que nos interessa.
Dentro desta conotação, eram Bulldogs:
- Na Inglaterra, o Bulldog propriamente dito, que evoluiu para o moderno
Pit Bull;
- Na Alemanha, o mastim bullenbeisser, que resultou no boxer;
- Nas Ilhas Canárias, o bardino majero, ancestral do presa canário.
Seja qual for a definição, é aceito que o Bulldog derivou
dos mastiffs. A primeira referência explícita ao Bulldog que
se tem notícia foi feita em 1631 por um sujeito chamado Prestwich Eaton.
Em uma carta para um tal George Willingham, solicita claramente "um bom
mastiff e dois bons Bulldogs". Tem-se hoje como certo que o Bulldog foi
aos poucos sendo selecionado dentre os mastiffs de menor porte e maior agilidade.
Outro possível ancestral do Bulldog é o alaunt. Esta raça
foi descrita no livro Master of Game, do II Duque de York, em torno de 1410.
Foram descritas três variedades: alaunt gentle, alaunt veutreres e alaunt
of the butcheries, sendo realçada a aptidão para bullbaiting
dos dois últimos. O primeiro se assemelhava a um grande grayhound.
Acredita-se que tenha origem na China e tenha chegado à Europa junto
com migrações de povos como os hunos e os álanos, no
início da era cristã. Esta tese é reforçada por
um livro chinês chamado Book of Odes, de 600 A.C. As descrições
de duas raças neste livro (shan e shejo), tanto física quanto
funcionalmente, são iguais às dos alaunt do Duque de York 2000
anos depois.
É possível que os mastins tenham tais cães como ancestrais.
O que parece é que, sob a classificação de alaunt, estavam
todos os cães de trabalho de então: os grandes cães de
caça, os mastins e os Bulldogs.
O declínio do Bulldog
No início das lutas de cães, o Bulldog ainda era o cão
mais utilizados pelos baiters. Não demorou muito para os organizadores
das rinhas percebessem que, embora o pesado Bulldog, com seus 35-45kg, fosse
um excelente combatente contra touros, um cão mais leve e ágil
seria mais apropriado para as lutas de cães.
Para atingir este objetivo, o Bulldog foi cruzado com diversos tipos de "game
terriers", daí resultando o bull-and-terrier (não confundir
com o bull terrier), posteriormente denominado staffordshire bull terrier.
Em 1866, no livro Researches into the History of the British Dog, o autor
George Jesse escreveu: "O bull-and-terrier, por sua maior agilidade,
superou o Bulldog nos combates no pit".
Muito tempo se passou até que o bull-and-terrier se tornasse razoavelmente
homogêneo e reconhecível como uma nova raça. No início,
não se cruzava um bull-and-terrier com outro bull-and-terrier, mas
sempre um Bulldog com um terrier. Somente a partir de 1850 eles começaram
a se homogeneizar.
Um dado interessante que explica a grande diversidade de características
físicas desses cães é o segredo mantido pelos criadores
do século XIX acerca de seus métodos de criação.
Mesmo quando registrados em papel, o que era raro, os pedigrees não
eram divulgados, por receio de que os rivais descobrissem o segredo do sucesso
e pudessem replicá-lo.
Em todo caso, em meados do século XIX os bull-and-terrier já
tinham adquirido todas as características apreciadas nos dias de hoje:
capacidade atlética, gameness incomparável e temperamento afável.
O estabelecimento da raça na Inglaterra
Embora criado num passado recente e razoavelmente documentado, a origem do
Pit Bull é um pouco nebulosa e está dividida, basicamente, em
duas vertentes, ambas defendidas por autores de renome:
- O Pit Bull é exatamente o antigo Bulldog
Esta tese é suportada por autores como Richard Stratton e Diane Jessup.
Para eles, não existe nenhuma característica no Pit Bull que
justifique sua origem em um terrier. Embora possa ter ocorrido alguma introdução
de sangue terrier no século passado, isso não foi de forma alguma
significativo. O cão que é uma evolução do bull-and-terrier
(cruzamento do Bulldog com game terriers) é o moderno bull terrier.
- O Pit Bull é o resultado do cruzamento do Bulldog com os game terriers
Carl Semencic e a vasta maioria dos dog men, como Dan Gibson e Bert Sorrells,
defendem a tese de que o Pit Bull é realmente o aprimoramento do bull-and-terrier,
ou half-and-half. A base que oferecem são pinturas de época,
mostrando que tais cães são virtualmente idênticos ao
Pit Bull tal como o conhecemos.
Esta segunda tese me parece mais lógica. Embora não seja a
especialidade do Pit Bull ficar se enfiando em tocas, um observador mais atento
perceberá que há muita semelhança entre o comportamento
de terriers como o jack russel e o patterdale e dos pequenos Pit Bulls das
linhagens ditas "de combate". A independência, a obstinação
(muitas vezes considerada teimosia), a agressividade em relação
a outros cães e a forma como pulam são atributos comuns a ambos.
Algumas fontes citam o extinto white terrier como o utilizado na obtenção
do half-and-half, embora não hajam provas disso. O mais provável
é que os ditos rateiros – terriers extremamente game utilizados
em competições nas quais vencia o cão que matava o maior
número de ratos num dado lapso de tempo – tenham sido os escolhidos.
O resultado da fixação do bull-and-terrier foi o cão
que ainda hoje é conhecido como staffordshire bull terrier. Fotografias
da segunda metade do século passado mostram claramente que era este
o cão utilizado nas lutas de então na Inglaterra e que foi trazido
para os Estados Unidos. Um exemplo documentado é uma fotografia de
um famoso dog man inglês de então, Cockney Charles Lloyd, que
trouxe vários cães da Inglaterra. Um desses cães, Pilot,
aparece numa foto de 1881 e é claramente um staff bull. Pilot veio
a ser um dos pilares da linhagem Colby, através do lendário
Colby’s Pinscher.
As opiniões de Jessup e Stratton, porém, não devem ser
desconsideradas. Observem a semelhança entre um Bulldog de 170 anos
atrás e um Pit Bull de linhagens mais pesadas, como o Pit Canchin.
A chegada na América
Como visto, os ancestrais imediatos do Pit Bull foram os pit fighting dogs
importados da Irlanda e Inglaterra a partir de meados do século XIX.
Na América, a raça começou a divergir ligeiramente
do que estava sendo produzido naqueles países de origem. Os cães
não foram utilizados apenas para rinhas, mas também como catch
dogs – presa de gado e porcos desgarrados – e como guardas da
propriedade e da família. Daí começaram a ser selecionados
cães de maior porte, mas esse ganho de peso não foi muito significativo
até cerca de 20 anos atrás.
Os cães irlandeses, os famosos Old Family Dogs, raramente pesavam
acima de 12kg e cães de 7kg não eram raros. O anteriormente
citado LLoyd’s Pilot pesava 12kg. No início do século,
eram raros os cães acima de 23kg. De 1900 a 1975, houve um aumento
pequeno e gradual no peso do Pit Bull, sem que houvesse perda de performance
no pit.
Nas mãos dos criadores americanos, o Pit Bull se popularizou a ponto
de ser símbolo dos Estados Unidos na 1ª Guerra Mundial. Homens
como Louis Colby, cuja família mantém até hoje uma tradição
de 109 anos, C.Z. Bennet, fundador do United Kennel Club (UKC) e Guy McCord,
fundador da American Dog Breeders Association (ADBA), foram fundamentais na
consolidação da raça.
Sua popularidade atingiu o auge na década de 30, quando o seriado
infantil Little Rascals era estrelado por Pete, um Pit Bull: era o cachorro
favorito de 10 entre 10 crianças americanas. Esta projeção
levou finalmente o American Kennel Club (AKC), após anos de pressão
a reconhecer o Pit Bull com o nome de staffordshire terrier, para diferenciá-lo
dos cães voltados para rinhas. Este cão é hoje o american
staffordshire terrier, tendo o "american" sido acrescido ao nome
original em 1972 para evitar confusão com o staffordshire bull terrier.
Mas agora, quando a vasta maioria dos APBT não é mais selecionada
para a performance tradicional no pit (compreensível, já que
o processo seletivo em si – o combate – é crime), o axioma
americano "bigger is better" passou a valer para vários neófitos
que se tornaram criadores, aproveitando a popularidade da raça nos
anos 80.
Isto resultou num aumento vertiginoso no tamanho médio do Pit Bull,
muitas vezes de forma desonesta, pelo cruzamento com raças como mastiff,
mastim napolitano e dogue de bordeaux. Alguns autores, como Diane Jessup,
sustentam que o american Bulldog nada mais é do que a fixação
de linhagens maiores de Pit Bull.
Outra modificação, esta menos visível, que vem sendo
introduzida desde o século XIX são os estilos de luta geneticamente
programados (tais como especialistas em orelhas, patas e focinho), função
do nível de competitividade que as lutas atingiram.
A despeito de tais modificações, a raça tem mantido
uma notável continuidade por cerca de 150 anos. Pinturas e fotos do
século passado mostram cães idênticos aos dos dias de
hoje. Embora pequenas diferenças possam existir entre algumas linhagens,
no geral temos uma raça que, ao contrário de muitas outras ditas
"reconhecidas", está consolidada há mais de um século.